sexta-feira, 22 de novembro de 2013

CARLOTA E GERALDO LUIS INVESTIGAM CRIME DA LOIRA DESCONHECIDA


REGINALDO CARLOTA TRAÇA PERFIL DO SERIAL KILLER LAERTE ORPINELLI NO "INSTINTO ASSASSINO" DO DISCOVERY CHANNEL


O ASSASSINATO DE DUAS MENINAS QUANDO EU TINHA DEZ ANOS, ME FEZ VIRAR REPÓRTER POLICIAL




 
Em 1984, eu tinha 10 anos de idade. Estudava de manhã no "Lar dos Meninos",  no Colégio Patrocínio e a tarde estudava na escola Cícero, aqui em Itu.

Na primeira semana de abril, daquele ano, cheguei no Cícero e a criançada  estava muito assustada. Haviam achado o corpo de uma menininha de 9 anos, que estudava na escola vizinha, Cesário Motta.

O corpo dela foi encontrado jogado num matagal da Estrada Jurumirim, mais pra trás de onde é o Plaza Shopping, hoje. O nome da menina era Silvia Aparecida do Espírito Santo. Morava no número 800 da rua Santa Cruz, bem de frente daquela loja de móveis usados do Isaac Shapiro,  atrás do Mercadão.

A menina foi estuprada e apanhou até morrer do assassino.


Fiquei super assustado, assim como as outras crianças da minha idade. A gente sabia que tinha um cara por aí, matando crianças. Pior, além de matar, ele ainda estuprava antes.

Passaram alguns meses e em setembro daquele mesmo ano, um coleguinha meu que estudava no Lar dos Meninos, apareceu na escola muito triste. Estava mudo, não falava com ninguém. Uma freira do colégio veio dar a trágica notícia: um maníaco havia estuprado e matado a irmãzinha dele. O nome dela era Isabel Bezerra da Silva. Tinha 10 anos e morava no São Luiz. Ela vendia pãezinhos que a mãe fazia, pra ajudar no sustento da casa. Saiu uma tarde pra vender, e nunca mais voltou. Foi achada dias depois, numa mata onde é o Parque América hoje.

O assassino, depois de estuprar a menina, pegou a toalha que cobria a cestinha de pães e a estrangulou até a morte. Mas antes disso, enquanto ele a estuprava, enfiou um pedaço da toalha na boca dela, pra quem ninguém ouvisse os gritos da menina.

Eu tinha 10 anos. E ela também.

 

OBSESSÃO


A polícia de Itu nunca resolveu o caso. Na verdade, nunca tiveram a menor ideia de com quem ou o que estavam lidando. Era um serial killer. E só atacava crianças.

A maioria da garotada da minha época esqueceu os dois assassinatos e tocaram a vida pra frente, sem pensar mais nisso. Eu não consegui.

Desde os meus dez anos de idade, nunca deixei de pensar naquelas duas garotinhas.

Cresci obcecado pelos crimes e revoltado pelo fato dos assassinatos nunca terem sido esclarecidos pela polícia.

Prometi pra mim mesmo que, quando eu crescesse iria atrás do assassino. E cumpri minha promessa.


Logo após esses casos, ainda com dez anos, comecei a ler sobre assassinos psicopatas, serial killers e praticamente tudo que envolvia crimes. Estraguei a maior parte da minha infância com isso.

Tinha muito mais interesse por assassinos, do que por qualquer outra coisa.

Em 1999, 15 anos após os assassinatos, eu não conseguia mais continuar pensando nessas meninas sem fazer nada. Estava ficando cada vez mais perturbado. Decidi então honrar minha promessa de infância e saí pessoalmente atrás do assassino de Silvia e Isabel. Nunca pensei em prendê-lo. Minha ideia, e juro por Deus do céu, do que estou falando aqui, era matar o cara que tinha feito isso com as meninas. Nunca vou saber se teria feito ou não.

A INVESTIGAÇÃO

Comecei levantando todos os jornais da época sobre os crimes, desarquivei os processos judiciais, fui atrás de parentes e conhecidos das vítimas, de policiais que se envolveram nos casos e comecei a montar um dossiê sobre os crimes. No percurso, descobri que na mesma época dos assassinatos de Itu, e nos anos seguintes, inclusive ainda em 1999, inúmeras outras crianças com perfil semelhante aos das duas meninas, haviam sido estupradas e mortas em diversas cidades da região. Eu não tinha mais dúvida alguma de que um serial killer havia matado Silvia e Isabel. E o mais grave; o cara ainda estava na ativa.

Comecei a rodar por todas as cidades onde crianças haviam sido assassinadas, atrás de pistas do assassino. Mapeei os locais dos crimes e fui cruzando informações com o que eu lia nos arquivos de jornais dessas cidades e ouvia de conhecidos das vítimas e pessoas que haviam visto as crianças antes do sumiço.

 Acabei descobrindo que antes de sumirem, a maioria delas haviam sido vista com um sujeito gordo, barbudo, sujo e maltrapilho. Fiz um retrato falado do suspeito e mostrei em algumas cidades. Bateu. Era o cara. Até procurei a polícia, mas ninguém estava nem aí com crimes antigos não solucionados.

Sem contar que para a polícia, eu era só um idiota bancando o detive. Ninguém dava moral pra mim.

 Meu maior problema nessa época era dinheiro. Não tinha grana pra ficar viajando por aí, atrás de pistas de um maníaco, por isso, minha investigação estava andando, mas não tão rápido quanto deveria. No final de 1999, eu tinha uma pista quente. Em várias cidades onde crianças haviam sido mortas, pessoas sempre falavam no meio da conversa sobre o caso, terem visto um "andarilho esquisitão" rondando a cidade. Era o cara do meu desenho. Eu estava eufórico. Tinha descoberto que o assassino era um andarilho que perambulava de cidade em cidade.

Com base em todos os crimes, tracei o perfil psicológico dele. Era só uma questão de tempo.

 
O MONSTRO

 
Eu pensava que estava sozinho na investigação. Mas não estava.

Em Rio Claro, a delegada da Polícia Civil, doutora Sueli Isler, hoje minha grande amiga, estava tão obcecada quanto eu pra pegar o assassino. Ele havia matado seis crianças naquela cidade. Isler, uma das melhores policiais que já conheci até hoje e sua equipe de investigadores, fizeram o que eu acredito que estava prestes a fazer; descobriram o assassino. Conseguiu encontrá-lo e prendê-lo antes de mim.

Era o cara. Laerte Patrocínio Orpinelli, o monstro que aterrorizou minha infância.

Ao ser preso, contou detalhes de inúmeros assassinatos e levou a doutora e sua equipe em vários locais onde havia enterrado corpos de crianças.

Em uma de suas declarações mais assustadoras ele disse: “MATAR CRIANÇAS PRA MIM, É COMO MATAR PASSARINHOS”. A delegada, assustada, então perguntou: “E quantos ‘passarinhos’ (crianças), você já matou?” O assassino olhou nos olhos dela e respondeu: “PAREI DE CONTAR QUANDO CHEGOU NO CEM”.

 
NA CABEÇA DO ASSASSINO

Minha obsessão pelo assassino não terminou com a prisão dele. Cresceu ainda mais. Tentando entender cada vez mais a psicose assassina Do maníaco,  comecei a perambular por diversas cidades por onde ele havia feito vítimas e fui pessoalmente nos locais desses crimes. Ao saber que ele dormia em albergues noturnos das cidades por quais passava, entre um crime e outro, comecei a pernoitar nos mesmos albergues onde Orpinelli havia dormido. Chegava ao absurdo de perguntar em qual cama ele havia dormido e tentava dormir até na mesma cama. Sempre usava nome falso. Em algumas cidades eu me chamava “Francisco”, em outras “Paulo” e por aí foi. Nesses locais, eu me passava por um viajante qualquer e procurava pessoas que haviam conversado com o assassino, e aprendia mais sobre ele. Foi uma época estranha pra mim, eu havia parado de viver minha própria vida, pra viver a do assassino de crianças. Perambulei pelos mesmos bares que o andarilho bebia, enquanto planeja seus assassinatos e cheguei a viajar por várias cidades do interior paulista, pegando carona nas mesmas rodovias que o maníaco pegava, após praticar seus crimes. Eu queria entrar na cabeça dele para ver o mundo através de sua lógica perversa e doentia e com isso, entender seus crimes. Nessa época, eu ganhava a vida fazendo letreiros em portas de lojas, e fiquei um bom tempo fora de Itu, andando por aí meio que sem rumo. A noite, costuma dormir em hoteizinhos vagabundos relendo meus arquivos sobre o assassino e vendo as fotos das crianças que ele matou. Minha obsessão por esse cara foi tão grande, que, em dado momento, parecia que eu havia me tornado o próprio assassino, isso em um sentido figurado é claro. Sabia exatamente como ele pensava e agia e com isso, identifiquei uma série de outros crimes que ele cometeu e nunca foram descobertos pela polícia.

Falei sobre todos esses crimes no meu livro “O MATADOR DE CRIANÇAS”, que reconstitui a vida e os crimes desse assassino.

Logo após o lançamento do livro no final de 2010, uma equipe da Discovery Channel dos Estados Unidos, me ligou fazendo um convite para que eu desse uma entrevista exclusiva sobre Orpinelli, no programa Instinto Assassino, da Discovery. Aceitei. A entrevista foi exibida durante o episódio “O Monstro de Rio Claro”, do Instinto Assassino e já foi reprisada em vários idiomas em mais de 80 países.

 

Foi por conta de Silvia, Isabel e Orpinelli, que me tornei repórter policial. Esses crimes despertaram meu interesse sobre crimes.

Tentei falar com Orpinelli várias vezes após sua prisão. Até trocamos uma carta, mas ele nunca aceitou falar comigo pessoalmente.

Em janeiro deste ano, quando ele morreu, vários jornais e emissoras de TV me ligaram perguntando como eu me sentia. Não soube responder. Mas pensando agora, acho que me senti frustrado por nunca ter tido a oportunidade de olhar pessoalmente nos olhos dele e perguntar: "por que você odeia tanto as crianças?".

Ainda penso em Silvia, em Isabel e principalmente nele. E, quando estou sozinho, em meus momentos mais íntimos, como nessa madrugada de hoje, percebo que entrar na cabeça do assassino foi fácil. O difícil...é conseguir sair.