Em 1984, eu tinha 10 anos de idade.
Estudava de manhã no "Lar dos Meninos", no Colégio Patrocínio e a tarde estudava na
escola Cícero, aqui em Itu.
Na primeira semana de abril, daquele ano, cheguei no Cícero e a criançada
estava muito assustada. Haviam achado o
corpo de uma menininha de 9 anos, que estudava na escola vizinha, Cesário
Motta.
O corpo dela foi encontrado jogado num matagal da Estrada Jurumirim,
mais pra trás de onde é o Plaza Shopping, hoje. O nome da menina era Silvia
Aparecida do Espírito Santo. Morava no número 800 da rua Santa Cruz, bem de
frente daquela loja de móveis usados do Isaac Shapiro, atrás do Mercadão.
A menina foi estuprada e apanhou até
morrer do assassino.
Fiquei super assustado, assim como as outras crianças da minha idade. A gente sabia que tinha um cara por aí, matando crianças. Pior, além de matar, ele ainda estuprava antes.
Passaram alguns meses e em setembro
daquele mesmo ano, um coleguinha meu que estudava no Lar dos Meninos, apareceu
na escola muito triste. Estava mudo, não falava com ninguém. Uma freira do
colégio veio dar a trágica notícia: um maníaco havia estuprado e matado a
irmãzinha dele. O nome dela era Isabel Bezerra da Silva. Tinha 10 anos e morava
no São Luiz. Ela vendia pãezinhos que a mãe fazia, pra ajudar no sustento da
casa. Saiu uma tarde pra vender, e nunca mais voltou. Foi achada dias depois,
numa mata onde é o Parque América hoje.
O assassino, depois de estuprar a
menina, pegou a toalha que cobria a cestinha de pães e a estrangulou até a
morte. Mas antes disso, enquanto ele a estuprava, enfiou um pedaço da toalha na
boca dela, pra quem ninguém ouvisse os gritos da menina.
Eu tinha 10 anos. E ela também.
OBSESSÃO
A polícia de Itu nunca resolveu o caso. Na verdade, nunca tiveram a menor ideia de com quem ou o que estavam lidando. Era um serial killer. E só atacava crianças.
A maioria da garotada da minha época esqueceu os dois assassinatos e
tocaram a vida pra frente, sem pensar mais nisso. Eu não consegui.
Desde os meus dez anos de idade, nunca deixei de pensar naquelas duas
garotinhas.
Cresci obcecado pelos crimes e
revoltado pelo fato dos assassinatos nunca terem sido esclarecidos pela polícia.
Prometi pra mim mesmo que, quando eu
crescesse iria atrás do assassino. E cumpri minha promessa.
Logo após esses casos, ainda com dez anos, comecei a ler sobre assassinos psicopatas, serial killers e praticamente tudo que envolvia crimes. Estraguei a maior parte da minha infância com isso.
Tinha muito mais interesse por
assassinos, do que por qualquer outra coisa.
Em 1999, 15 anos após os assassinatos, eu não conseguia mais continuar
pensando nessas meninas sem fazer nada. Estava ficando cada vez mais
perturbado. Decidi então honrar minha promessa de infância e saí pessoalmente
atrás do assassino de Silvia e Isabel. Nunca pensei em prendê-lo. Minha ideia,
e juro por Deus do céu, do que estou falando aqui, era matar o cara que tinha
feito isso com as meninas. Nunca vou saber se teria feito ou não.
A INVESTIGAÇÃO
Comecei levantando todos os jornais da época sobre os crimes,
desarquivei os processos judiciais, fui atrás de parentes e conhecidos das
vítimas, de policiais que se envolveram nos casos e comecei a montar um dossiê
sobre os crimes. No percurso, descobri que na mesma época dos assassinatos de
Itu, e nos anos seguintes, inclusive ainda em 1999, inúmeras outras crianças
com perfil semelhante aos das duas meninas, haviam sido estupradas e mortas em
diversas cidades da região. Eu não tinha mais dúvida alguma de que um serial
killer havia matado Silvia e Isabel. E o mais grave; o cara ainda estava na
ativa.
Comecei a rodar por todas as cidades
onde crianças haviam sido assassinadas, atrás de pistas do assassino. Mapeei os
locais dos crimes e fui cruzando informações com o que eu lia nos arquivos de
jornais dessas cidades e ouvia de conhecidos das vítimas e pessoas que haviam
visto as crianças antes do sumiço.
Acabei descobrindo que antes de sumirem, a
maioria delas haviam sido vista com um sujeito gordo, barbudo, sujo e
maltrapilho. Fiz um retrato falado do suspeito e mostrei em algumas cidades.
Bateu. Era o cara. Até procurei a polícia, mas ninguém estava nem aí com crimes
antigos não solucionados.
Sem contar que para a polícia, eu era
só um idiota bancando o detive. Ninguém dava moral pra mim.
Meu maior problema nessa época era dinheiro.
Não tinha grana pra ficar viajando por aí, atrás de pistas de um maníaco, por
isso, minha investigação estava andando, mas não tão rápido quanto deveria. No
final de 1999, eu tinha uma pista quente. Em várias cidades onde crianças
haviam sido mortas, pessoas sempre falavam no meio da conversa sobre o caso,
terem visto um "andarilho esquisitão" rondando a cidade. Era o cara
do meu desenho. Eu estava eufórico. Tinha descoberto que o assassino era um
andarilho que perambulava de cidade em cidade.
Com base em todos os crimes, tracei o
perfil psicológico dele. Era só uma questão de tempo.
Em Rio Claro, a delegada da Polícia
Civil, doutora Sueli Isler, hoje minha grande amiga, estava tão obcecada quanto
eu pra pegar o assassino. Ele havia matado seis crianças naquela cidade. Isler,
uma das melhores policiais que já conheci até hoje e sua equipe de
investigadores, fizeram o que eu acredito que estava prestes a fazer;
descobriram o assassino. Conseguiu encontrá-lo e prendê-lo antes de mim.
Era o cara. Laerte Patrocínio Orpinelli,
o monstro que aterrorizou minha infância.
Ao ser preso, contou detalhes de
inúmeros assassinatos e levou a doutora e sua equipe em vários locais onde
havia enterrado corpos de crianças.
Em uma de suas declarações mais
assustadoras ele disse: “MATAR CRIANÇAS PRA MIM, É COMO MATAR PASSARINHOS”. A
delegada, assustada, então perguntou: “E quantos ‘passarinhos’ (crianças), você
já matou?” O assassino olhou nos olhos dela e respondeu: “PAREI DE CONTAR
QUANDO CHEGOU NO CEM”.
Minha obsessão pelo assassino não
terminou com a prisão dele. Cresceu ainda mais. Tentando entender cada vez mais
a psicose assassina Do maníaco, comecei
a perambular por diversas cidades por onde ele havia feito vítimas e fui
pessoalmente nos locais desses crimes. Ao saber que ele dormia em albergues noturnos
das cidades por quais passava, entre um crime e outro, comecei a pernoitar nos
mesmos albergues onde Orpinelli havia dormido. Chegava ao absurdo de perguntar
em qual cama ele havia dormido e tentava dormir até na mesma cama. Sempre usava
nome falso. Em algumas cidades eu me chamava “Francisco”, em outras “Paulo” e
por aí foi. Nesses locais, eu me passava por um viajante qualquer e procurava
pessoas que haviam conversado com o assassino, e aprendia mais sobre ele. Foi
uma época estranha pra mim, eu havia parado de viver minha própria vida, pra
viver a do assassino de crianças. Perambulei pelos mesmos bares que o andarilho
bebia, enquanto planeja seus assassinatos e cheguei a viajar por várias cidades
do interior paulista, pegando carona nas mesmas rodovias que o maníaco pegava,
após praticar seus crimes. Eu queria entrar na cabeça dele para ver o mundo
através de sua lógica perversa e doentia e com isso, entender seus crimes. Nessa
época, eu ganhava a vida fazendo letreiros em portas de lojas, e fiquei um bom
tempo fora de Itu, andando por aí meio que sem rumo. A noite, costuma dormir em
hoteizinhos vagabundos relendo meus arquivos sobre o assassino e vendo as fotos
das crianças que ele matou. Minha obsessão por esse cara foi tão grande, que,
em dado momento, parecia que eu havia me tornado o próprio assassino, isso em
um sentido figurado é claro. Sabia exatamente como ele pensava e agia e com
isso, identifiquei uma série de outros crimes que ele cometeu e nunca foram
descobertos pela polícia.
Falei sobre todos esses crimes no meu
livro “O MATADOR DE CRIANÇAS”, que reconstitui a vida e os crimes desse
assassino.
Logo após o lançamento do livro no
final de 2010, uma equipe da Discovery Channel dos Estados Unidos, me ligou
fazendo um convite para que eu desse uma entrevista exclusiva sobre Orpinelli,
no programa Instinto Assassino, da Discovery. Aceitei. A entrevista foi exibida
durante o episódio “O Monstro de Rio Claro”, do Instinto Assassino e já foi
reprisada em vários idiomas em mais de 80 países.
Foi por conta de Silvia, Isabel e
Orpinelli, que me tornei repórter policial. Esses crimes despertaram meu
interesse sobre crimes.
Tentei falar com Orpinelli várias
vezes após sua prisão. Até trocamos uma carta, mas ele nunca aceitou falar
comigo pessoalmente.
Em janeiro deste ano, quando ele
morreu, vários jornais e emissoras de TV me ligaram perguntando como eu me
sentia. Não soube responder. Mas pensando agora, acho que me senti frustrado
por nunca ter tido a oportunidade de olhar pessoalmente nos olhos dele e
perguntar: "por que você odeia tanto as crianças?".
Ainda penso em Silvia, em Isabel e principalmente nele. E, quando estou
sozinho, em meus momentos mais íntimos, como nessa madrugada de hoje, percebo
que entrar na cabeça do assassino foi fácil. O difícil...é conseguir sair.
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